sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

Amor e coxinha


Quando criança, é clichê mas, tudo era bem mais fácil, principalmente me apaixonar. Bastava ter o cabelo liso e uma quantidade considerável de dentes. Sim, isso eram coisas importantes, tanto o cabelo quanto os dentes. E as relações amorosas? Muito mais tranquilas, bastava dividir o lanche, dar um desenho de presente e estávamos ambos felizes, sem cobranças, nem beijo precisava, pra quê? Era nojento! E hoje? Hoje em dia a dificuldade já começa em saber quem tem cabelo liso, com tantos produtos, chapinhas, pomadas, escovas super dotadas et al. Mas cabelo se tornou irrelevante, até o meu se revoltou e resolveu ignorar a genética família e cachear. Dentes... Irrelevante, mas ainda assim é importante tê-los. Mas a questão do cultivar, minha nossa, é quase Homero tentando voltar pra casa, Werther tentando conquistar Carlota e todas as analogias literárias de conquistas (quase) impossíveis! Não dá pra dividir o lanche que você pode receber um "não, obrigada, tô de dieta", "ah, não tá dentro da dieta do meu treino", então, melhor descartar o compartilhar do lanche, fora que hoje em dia tudo é caro, nem coxinha é mais R$ 0,50. Desenho? Se bem que já me foi eficaz hoje em dia, então ponto para o desenho, mas não qualquer desenho, é um Desenho! E o beijo, de nojo virou algo essencial para muitos, mas prefiro me abster. Cobranças vem de toda parte, principalmente a fatura do cartão, fora o fato que chamar alguém de coleguinha era muito menos mais frustrante no caso de decepção. Talvez a gente vá se perdendo da simplicidade das coisas no decorrer da idade, a capacidade de se apaixonar diminui, e o preço da coxinha só tende a aumentar.

sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

terça-feira, 27 de novembro de 2012

Desde que Luísa nasceu

Desde que Luísa nasceu ninguém come direito,
ninguém dorme direito, ninguém descansa,
mas se ama direito.
Desde que Luísa nasceu, evita-se falar palavrões,
fala-se baixo, ouve-se melhor, ficamos com mais medo de morrer.
Desde que Luísa nasceu, ninguém vê Tv direito,
ninguém toca violão direito,
mas ninguém mais chora.
Desde que Luísa nasceu, tem-se mais paciência,
tem-se mais atenção, tem-se mais carinho.
Dese que Luísa nasceu, não se arruma casa direito,
não se vê mais chão sem brinquedos,
mas se rir mais.
Desde que Luísa nasceu, esconde-se as cantas,
esconde-se os objetos que cortam, 
e nos mostramos mais felizes.
Desde que Luísa nasceu somos mais humanos e, para ela, sem defeitos.

sábado, 24 de novembro de 2012

Velha


Espaço, espaço... Pronto, agora...
Então, não sei nem por onde começar, moço. É que a alma anda fatigada, sabe? Não? Ela é velha demais para o meu corpo, eles vivem em conflito. O corpo e alma. Fazem questão de serem emancipados, inimigos. O corpo nunca acompanha a alma, muito menos o coração. Esses dois últimos são antigos, cheios de poeira, das músicas aos poemas que os dão prazer. Queria que o senhor me desse uma solução, como viver num mundo tão novo com uma alma e um coração tão velho? Não corro com a evolução, estanco, só corro para alcançar o coração que me foge como um louco e ainda leva a alma, e o clichê da calma só para fazer rimar com alma. Minha'lma quer uma carta, um bilhete, uma conversa sem hora e sem cair a rede... Aliás, rede só se for para dormir. Mas me diga, seu moço, o que se faz com um coração e uma alma ainda mornos em um mundo tão frio? Tenho que enviar por e-mail? Então desisto, é melhor tomar um café.

sexta-feira, 16 de novembro de 2012

Porta retrato de olho

Para ler ouvindo Nelson Gonçalves


Minha segunda palavra sem dentes
Dono da minha primeira montanha
Meu primeiro porta retrato de olho,
que até hoje não sei a cor,
Cor que não herdei...
Herdei o livro e a fala,
O jeito e os dedos do pé,
A curva do rosto,
e o amor contido.

segunda-feira, 5 de novembro de 2012

Semente


Crua...
Crua a poesia,
a língua.
O verso mal passado,
o verso imanente,
amassado.
Crua a ideia,
a língua privada,
crua a folha manchada,
o mofo.
Crua a palavra,
sem gosto,
eu fônica,
eufórica,
crua!
Cru o amor,
mas não em raiz,
em semente
para fazer café,
exibir a fumaça,
te tirar o sono,
deixar o gosto boca,
também crua,
e a língua crua
de beber o amor ainda quente
pelo cheiro, pelo tato,
sem deixar que esfrie,
sem deixar que cozinhe,
pois o amor só (se) serve cru.

sábado, 13 de outubro de 2012

Nicolah e lua


Mal o sol se despedira e o menino estava agoniada olhando por todas as janelas da casa. Abria a porta e fechava. Abria a janela e fechava. Subia no banquinho para ficar mais alto, mas nada feito. A mãe vendo aquilo perguntou:

- Nicolah, algum problema?
- Hmm, acho que sim. Respondeu o menino.
- O que? Talvez eu possa ajudar. Completou a mãe.
- É que a professora passou um trabalho para a gente fazer um poema sobre a lua. Mas...
- Mas o que, meu filho? Pergunto a mãe.
- Mas no máximo dá pra eu falar do cimento que usaram pra construir aquele prédio, é impossível eu falar da lua se não posso ver um pedacinho dela. Acho que tão querendo cimentar a lua, mãe, tão tapando tudo, acho que é para roubar o queijo que tem lá. Vou dizer a minha professora para tirar da lista dela a lua, não dá pra ver, quanto mais fazer poema e o pior é que não dá nem pra sentir como o sol, ai que coisa complicada é falar do que não se pode ver, acho que vou falar do queijo.

segunda-feira, 10 de setembro de 2012

E calcinamos...

       
       Aposentei um livro ao aposentar um amor. E hoje, ontem, não sei, já passou da meia-noite, me deu vontade de ler. Lê-lo depois de meses e meses de tantas coisas. Em Manhã, Meio Dia, Tarde e noite, encontrei grifos, rabiscos, todos quebrando a harmonia dos sonetos, fazendo-me observar dois, três versos, no máximo. Li de baixo para cima, preenchendo lacunas, deixando-as abertas, deixando-as com as deixei, sabe lá como as deixei. Dos cem sonetos tenho alguns decorados, alguns versos, algumas palavras, não deste, do sem dedicatória, presente de meu pai, bem, tenho dois exemplares. Involuntária ou não, essa vontade de ler este, exatamente este, dá-me certezas, alegrias e o sentimento de nada. É, o sentimento de nada. As coisas, as findas, inacabadas, largadas, todas estas apagaram-se, nem poeira, nem pó, apagaram-se, reduziram-se ao nada. Todas elas, uma a uma. Restou apenas um pedido por extenso e rabiscos na manhã, meio dia, tarde e noite, não minhas, mas em Neruda. Ah, e só hoje procurei saber o que é "calcinar", e quer saber? Acho que calcinamos, não só o Outono.

sexta-feira, 31 de agosto de 2012

Ad


Então morrer deve ser assim...
Como dormir de tarde,
mas não acordar com o cheiro do jantar de mainha
sinalizando que ainda é dia.

sexta-feira, 17 de agosto de 2012

quinta-feira, 16 de agosto de 2012

Nicolah e as propagandas políticas


Final de férias, comecinho das aulas, ano de eleição e Nicolah, curioso como sempre, com sua sobrancelha esquerda, erguida, sinalizando dúvida. Olhou para cima, os muros. Para baixo, o meio fio. Para a rua, os carros de som. E sua mãe com o sorriso de quem estava a pensar: lá vem mais uma. Pensado e feito, Nicolah despejou, sentado na cadeira do terraço, tirando os sapatos para não sujar a casa toda:
- Mãe, quem são esses homens?
- São candidatos, menino. A mãe responde.
- Mas vê só, candidatos a o que? Retruca o menino, agora com os braços cruzados, ainda mais intrigado.
- A vereador, prefeito, essas coisas para melhorar a cidade, sabe? Diz a mãe.
- Sim, mãe... Mas...
- Vá, meu filho fale.
- Para melhorar nem precisa disso tudo, é simples, é só basta tirar esse bando de foto e esses carros de som que atrapalha meu cochilo da tarde que já ajuda bastante. E além do mais, queria saber quem foi que disse a eles que é legal apertar bochecha de criança, dói! Afinal, quem é que vota em candidato que maltrata criança e suja a rua? Tem o que mesmo pra gente almoçar?

terça-feira, 7 de agosto de 2012

Não pegue nada do chão



De uns tempos pra cá ando tendo uns flashs da minha infância. Lembranças boas. Muito boas. Aqueles conselhos que minha mãe me dava “não pegue o lanche do seu coleguinha”. É, é importante não pegar o lanche do seu coleguinha! Onde foram parar esse tipo de conselho? O “peça desculpas!”, “não empurre!”, “não faça nada que não queria que façam com você”, o que anda faltando na vida são esses clichês. Que no final das contas tais clichês são tão mais sensatos que o fato de nos acharmos adultos. Porque ser infantil é preciso.
Precisamos saber pelo que espernear. Deixar o que é dos outros com os outros. Aceitar a distância, manter distância quando preciso. Compreender que o tempo do outro não tem qualquer ligação que seja com o seu. Voltar a olhar nos olhos, tocar, perceber. Amar mais, amar errado, amar sem jeito, mas amar. Voltar a ter a delicadeza de ouvir. Saber recolher-se. Dar espeço. Repensar o significado de respeito. Peneirar ações. Não confundir ingenuidade com imaturidade. Reconhecer que harmonia não é palavrão. Que valor não se mede em “dinheiros”, como costumávamos dizer. E que se alguém largar algo pelo chão, pode ser que ele queira de volta depois, não pegue, não é seu. Porque como dizia minha sábia mãe “Você só tem direito a um, se você pegou vai ser esse, nada de pegar o dos outros”, e até hoje ela me diz isso. Ah, e só para finalizar... “Não pegue nada do chão.” Porque se o fazíamos quando criança qual a dificuldade de fazê-lo agora?

quarta-feira, 25 de julho de 2012

O sal de Bernardo



E é assim que vai ser agora, seu moço?
Depois de encontrar o mar criarás tendência a viver submerso? Sufocado?
Bernardo? Ei, Bernardo? Cê tá bem? Cê tá vivo, é... De verdade?
Acho que engoliste água demais,
Acho que engoliste água salgada demais, bebeste vinho demais
E tuas lágrimas já têm gosto de coisa amarga, nem de sal, nem de vinho...
Tu, Bernardo, ficaste tu e o mar em um mesmo nível,
Foram-se marés e conchas machucando todo o corpo
Teu peito, olhos e água viva, era um só, queimava, tinha cheiro de pólvora

Não te tornas elefante, assim nunca te tornarás peixe
Peixe de água doce, peixe igual a pássaro, menino do banho de chuva 
Bernardo? Ei, Bernardo, lava teu peito, desmancha o sal,

Tira o vermelho dos olhos, faz as pazes com teu mar,
Faz as pazes com o amor e volta a ser maré baixa
Bernardo? Ei, Bernardo, acredita no teu bem,
Acredita no mar invadiu os olhos ao te ver afogar em sal,
Ao te ver sublimado em nada.


Com carinho, a Elilson Duarte.


segunda-feira, 9 de julho de 2012

Nicolah e o galo


Nicolah costumava acordar bem cedo, ia para a janela e ficava tentando achar os galos da vizinhança que cantavam, mas ele não os via. Um em específico o deixava curioso. Mas nesse dia, deu sete, oito da manhã e nada do menino se levantar, até que sua mãe foi até o quarto para saber o que estava acontecendo. E o encontrou só com a cabeça para fora do lençol, olhando para o os desenhos do teto e com um relógio ao lado do travesseiro.

Mãe: Nicolah, tudo bem? Aconteceu alguma coisa?
Ele: Não, quer dizer, mãe, não sei, é esse galo que...
Mãe: Que galo, menino?
Ele: Esse, mãe, que começa a cantar antes de todos os outros. Todo dia às três e quarenta e cinco da manhã.
Mãe: Ô, menino, e o que é que tu estás fazendo acordado essa hora?
Ele: Sendo educado com o galo, né, mãe! A senhora não me disse que a gente nunca deve deixar ninguém falando sozinho? Se ele canta, eu acordo para ouvir.




terça-feira, 3 de julho de 2012

O galo










Quatro e doze da manhã

E o galo me chamando pra cantar,
O amor me pedindo pra dormir,
O relógio despertando o céu,
Chacoalha, chacoalha  p'ro sol acordar
Bom dia, seu moço, hora de trabalhar!

domingo, 1 de julho de 2012

Rotina


(...)
Esquenta os pés
Esquenta as mãos
Esquenta a ponta do nariz
Esquenta a orelha direita
Esquenta o ombro

Amor, passa o lençol...

Esfria o café
Esfria o pão
Esfria o leite
Esfria a água do chuveiro
Esfria a pele
Esfria o cangote

Amor, passa a chave...

Morna a tarde
Morna o chá
Morna o chocolate
Morna a água na chaleira
Morna a bacia
Morna a boca
Morna a cama

Amor, fecha a cortina. 




segunda-feira, 18 de junho de 2012

O que é Marcelo Jeneci?

       
    Adiantando que tenho um grande problema em falar de coisas que eu gosto, e se tratando desse moço é que a coisa piora ainda mais! Bem, conheci Jeneci há uns anos atrás, "o carinha que tocava teclado com Arnaldo", é, era essa a referência, mas parei para ouvi-lo quando uma conhecida, insistentemente, pediu-me para ouvir. E plim! Perguntei-me "O que é isso?!", de bom grado, claro! Apaixonei-me pela guitarrinha de "Dar-te-ei" (a mesóclise mais adequada do mundo), e segui mostrando para amigos, mãe, pai, porque eu achava que as pessoas deveriam ouvir aquilo, e ouviram, sou persistente! Dai liguei o nome à pessoa, "O carinha que tocava teclado com Arnaldo", era o mesmo que me deixara babando com o "Feito pra acabar", que me deixara babando pela sanfoninha particular em "Pra sonhar". Não tenho agência para fazer nenhuma crítica, analisar melodia, letra, ou qualquer coisa mais técnica, mas tenho ouvidos, coração e alma encantados e acalmados por esse moço.
     Agora, depois de um tempinho mastigando sem cansar as músicas dele, depois de alguns poucos shows, o último no dia 15, depois de reportagens lidas, vistos, e depois de ouvir comentários sobre a música, a pessoa, e de poder tê-lo, rapidamente, conhecido no carnaval desse ano, sinto que quando eu o ouço, dá uma coisinha lá dentro, sabe? Como quem tá apaixonado?! Quando o conheci não sei quem falou menos e, por timidez, agradeci e ouvi de volta um obrigado quase que não saindo. 
    Sim... O que é Marcelo Jeneci? Um músico incompleto. Antes que me atirem pedras, explico-me, incompleto porque quando se atinge a completude se perde a essência, nada se tem a mostrar, a fazer, é a música do frio na barriga, orgânica e acima de tudo "o carinha que não sai da minha playlist" e faz minha sobrinha parar de trelar quando ouve "Borboleta"!

sábado, 16 de junho de 2012

Nicolah e o dia 12



- Mãe? Mãe? Acorda! Diz Nicolah chacoalhando a mãe mais que uma batedeira!
- O que é menino? Que coisa, vai dormir!
- Não, não, mãe! É caso de urgência, vida ou morte. Diz o menino, ainda chacoalhando a mãe e arregalando os olhos!
- Tá! Vou levantar, mas depois não me venha dizer que vai me aborrecer com seus problemas com palhaço! Cambaleia a mãe, tonta de sono, até o banheiro.
Depois que ela sai o menino corre em direção a ela com algumas moedas e um pedaço de papel... E a mãe, curiosa, já apreensiva do que aquilo poderia ser, perguntou?
- Então, meu bem, do que se trata? E o menino desembestou a falar:
É que terça eu tava andando na rua e vi um monte de gente com flor, mãe, eu até procurei pra ver se achava algum caixão, fiquei meio aperreado de tanta flor que o povo tava carregando, fora, que era tudo igual, cheguei a imaginar de novo que era pro mesmo defunto! Ah, e aqui tá o número do IBAMA, a professora de ciências me deu, depois de eu insistir a semana toda, ai ela me deu é 326...
- É o que? Flor? IBAMA, fala devagar, me filho!
Foi que além de ver tanta flor esquisita, com aquelas coisas amarelas, só via urso, urso! O dia todo, mãe, quando não era flor era urso, ai resolvi dar esse dinheiro a senhora pra gente plantar as flores que esse pessoal todo arrancou, e nem sequer foi pra algum morto, e o IBAMA pra denunciar o cárcere privado dos ursos!
A mãe riu de gargalhar, abraçou o menino e disse:
- Foi dia dos namorados, Nicolah!
E o menino com toda a revolta ambientalista nas costas retrucou:
- Dia dos namorados? Então esse pessoal namora pra matar flor e criar urso? Mãe, que coisa! Coitadas dessas namoradas, quer dizer, coitadas não, no fim elas são cúmplice dessa chacina de flores e criação de urso em cativeiro. Desisti de libar para o IBAMA, mas mãe, compra as sementinha, será meu investimento caso eu encontre alguém que queria ser cúmplice de um assassinato de flor e não tenha crédito pra ligar para o IBAMA.

domingo, 3 de junho de 2012

Dos olhos


Fiquei bem de longe, é...
Mas ainda assim conseguimos nos olhar!
O verde, azul, nunca sei dizer, encheram meus olhos de saudade...
Nos fitamos por mais cinco segundos e concordamos:
É, estamos em falta um com o outro.

domingo, 27 de maio de 2012

Telegrama em prosa


Tá faltando pernas, coxas,
Braços, lençol roubado,
Briga por espaço, ser só um,
Dois em um, para tanger o frio...
Oi? Alô? Tá faltando pele,
Tá sobrando pano,
Troquei a roupa de cama hoje,
Na verdade foi ontem, tá tudo cheiroso,
Só quem deitou fui eu.
Tá faltando outro cheiro,
Outras mãos, pés quentinhos,
Pro meu colchão sossegar de saudade,
E de domingos.

domingo, 20 de maio de 2012

Menino


A fábrica engasga os primeiros apitos
O vendedor de munguzá anuncia, 5:45 da manhã
E lá vai o desfile de pernas descendo a ladeira
Pretas, pardas, brancas e roxas
E lá vai o menino pendurado nos seios da mãe,
banhado em flor de laranjeira
Bola, pipa, arranhado na canela
Cheiro de alfazema, manga roubada, vizinhos na janela
Deu quatro da tarde!
- Hora de tomar banho, Menino!
Mulheres mal dizendo à beira da calçada...
"A filha do padeiro tá grávida!", "Eu sabia!"
E na casa ao lado ouviam-se gritos...
- Mãe, esqueci a toalha!
- Tira a toalha de cima da cama, ô Menino!
Sete, oito, oito e meia...
Hora de guardar a corda, a bicicleta, a bola remendada
Boa noite...
- Vai tomar banho, Menino!
- Posso só lavar o pé?

quinta-feira, 10 de maio de 2012

Sexta-feira


Alguns passos ligeiros para fugir da chuva,
Alguns muitos pingos na roupa, cabelo e rosto,
Fui, mas pausei e voltei...
Em uma dessa situações que alguém em algum lugar diz:
"Para e presta atenção!"
Quase ignorei e parei, não disse, mas pensei...
Puta!
"Puta com criança nas ancas!",
Língua, coração e mente sujas...
E não sai da cabeça, não a puta,
A criança! Fitei-a duas vezes,
Não sorriu, pois não havia dentes,
Mal se sustentava no próprio pescoço!
Mão, peito e coração apertados...
Olhei para baixo e peguei meu trem
E colaborei para o descaso que se (des)encontra a vida!

quinta-feira, 3 de maio de 2012

Mala e cuia



Juro que não abri a porta
Ou qualquer filete de luz que desse na minha casa!
Quando olhei para a sala
Tava lá...
Mala, amor e cuia!
Pintou tudo de branco
Foi logo arrumando a bagunça,
O caos que havia sido deixado
Meses e meses sem arrumar uma gaveta
Sem tirar um grão de pó qualquer de cima dos livros
Hesitei, assumo, desarrumei várias vezes
Resistência (in) consciente já (des)esperada!
Então cedi, cedi pelo cansaço,
Ajudei a arrumar o quarto,
Troquei o lençol, a música de fundo e o cheiro dos (in)cômodos
Não abri nem fechei a porta, deixei como estava
E antes que eu pudesse dormir,
Achou a chave que eu havia perdido há meses atrás
Apagou as luzes, e deu a pele o que a pele precisava...
Outra pele, outro amor...
De mala, carinho e cuia.

domingo, 22 de abril de 2012

Chão da pele




Tela em branco
Sem traços, sem marcas
Passam-se os ventos, domingos
E a folha vira terra seca
Terra de sertão
Olhos fechados e rachaduras nas quinas
Olhos abertos e no rosto as marcas das circunstâncias
No canto dos lábios, nas mãos, a raiz vai secando
Terra áspera, ferida de enxada, nem lágrima se tem para regar
Folha amassada
Caminhos na pele que não mente as dores
Queimadura na alma,
Sorriso pequeno curativo
Amor  no chão da pele
Verniz, velhice e a...
Tela em branco...
 Resume-se a pele.

sábado, 14 de abril de 2012

Nicolah e o palhaço de macacão sujo



Era aproximadamente 19h quando o menino caminhava, na rua, segurando a mão de sua mãe, olhava para tudo, olhou para cima, procurou a lua mas não achou, olhou para baixo, brincou com a sombra, olhava as formigas, mas não largou por nada a mão de sua mãe. E falou: Mãe, a minha sombra deve ser mais nova que eu, ela é menorzinha, viu?
Mas o que o intrigou não foi a ausência da lua ou o tamanho da sombra. O que o intrigou foram dois homens caminhando com rosto desbotado em tinta, suspensórios ao chão, sapatos nas mãos e caixas de som nos ombros. O menino olhou, olhou, suspendeu a sobrancelha, coçou a cabeça e deu duas puxadas na mão de sua mãe e questionou:

- Mãe, mãe, quem eram aqueles homens? Acho que conheço eles de algum lugar.
E a mãe responde: - São palhaços, meu filho, você não reparou a pintura e as roupas?
- Palhaços? Não, mãe, não são, mês passado eu vi uns na rua, tristes, chorando e a senhora disse que era um troço de pierrot. O menino retruca.
A mãe sorri e responde. - Mas filho, aqueles são outra história. Estes são palhaços profissionais, trabalham em circo, cobram entrada, essas coisas de gente grande.
O menino pensa, pensa, enruga a testa e em um estalo, questiona: - Cobram? Cobram para fazer a gente sorrir? Deve ser por isso que eles não fazem ninguém rir, já viu alguém cobrar para fazer o outro dar uma gargalhada? Deve ser por isso que eles são tão mau humorados sem a pintura, e ainda sujam o macacão! Mãe, não foi por isso que a menina Colombina deixou o tal do Pierrot? Pela sujeira dele? Depois fica chorando no carnaval e não sabe porquê foi!

sábado, 31 de março de 2012

Desmistificando letras musicais de auto ajuda


Um dia desses voltando pra casa da aula, ouvindo uma certa música, com o estado de espírito não muito bondoso... Fiquei pensando: "Quanta mentira em uma letra só!". Pois bem, as músicas já foram mais honestas conosco, e digo mais, as músicas mais realista são mais desvalorizadas! Sendo direta... Ninguém em sã consciência diz que quer que o outro seja feliz com outra pessoa quando acaba de levar um pé no traseiro! Começa ai a bagunça! Olhe, sendo muito sincera, e diante da minha pequena grande experiência... A gente deseja tudo, menos a felicidade do outro com uma terceira pessoa. 

Primeiro, adquirimos (ou acentuamos) nossa tendência terrorista de querer matar e soltar bombas! Segundo, educação tem limite! Terceiro, guardar raiva antecipa problemas de saúde! Quarto, rodar a baiana à prestação é má administração do tempo!
Sejamos sinceros, aprendemos via tabefes da vida, não adianta outrem usar a filosofia do decapitar e depois colar a cabeça com super bond não, gente! Essa história de "Quero ver você maior, meu bem" tá com nada! Mas esse discurso do "quero que você seja feliz" só não é mais deprimente do que o "vamos ser apenas amigos"... Amigo de, enfim... Amigo que é amigo é estupidamente sincero, se tá feio tá feio, se não tá legal, não tá legal, porque é melhor deixar o eufemismo pra Literatura! Então, não peça a ninguém pra ser seu amigo "pós pé na bunda", porque não sei se alguém já percebeu que ninguém pede para ser amigo de ninguém, ou alguém já chegou para você e fez: "Oi, a gente pode ser amigo?", faça-me o favor! Não, não queremos ser seu amigo, não queremos dar conselhos amorosos para você para com sua próxima vítima! É simples, não queira laços frouxos, amigo não tem censura nas conversas, não faz a energia do lugar ficar mais pesada que três elefantes em uma balança. E, o mais importante, não insistam nada, deixem o pobre flagelado se recompor em paz. 

Ah, a música que eu estava a ouvir é muito madura para finais de relacionamentos, até demais, fins de relacionamento são tudo... Menos maduros! Têm umas piores, bem autossuficientes que nunca teem lugar na sua playlist de fossa, porque música feita pra fim de relacionamento é aquela que te bate até dizer basta e você pegar no sono! E outra, esses concelhos pós pé na bunda, se fossem bom teriam funcionado enquanto você estivesse no relacionamento com a pessoa, se não funcionou enquanto estavam juntos porquê iriam funcionar agora? Ah, façam-me o favor, novamente! Para se recuperar de "fins" não tem bula, apenas clichês: tempo, comida, amigos, enfim... O que você procura para estar/ficar bem. Sabe aquelas placas "Cuidado, cão feroz", uma dessas seria ideal para quem não entende que o outro merece, de verdade, encontrar-se com alguma coisa menos efêmera que o relacionamento anterior. Mas para não me alongar mais, em certas horas é melhor mandar ir pra o inferno a dizer que quer o melhor de corações, pois coração é algo muito íntimo a perspectiva. Não queira que o outro seja feliz, permita que ele o seja por conta própria.

ps: A música postada não foi a que eu estava a ouvir no momento de devaneio (pseudo)literário



domingo, 25 de março de 2012

Pequeno dicionário de (in)verdade gráfica



O acento circunflexo é guarda-chuva de letra em tempo fechado
A crase é um feminista declarado, mas que no final das contas têm suas controvérsias
O trema é aquele presente de tia que ela percebe que você nunca usa e parar de te presentear
O til é a tentativa, frustrada, de alguém que tem cabelo cacheado querer que ele fique liso, vai sempre ondular!
O itálico é a vida desequilibrando, é a palavra embriagada, é quando dizem que "autor bebeu em..."
O negrito é o pretinho básico, o negrito é o grito desentalado
O sublinhado é a palavra impaciente, o famoso "quer que eu desenhe?"
A exclamação é uma ditadora, e aliás, cuidado com a exclamação, não dá pra ser fofo com ela!
As aspas são o paraíso dos plagiadores, o colchão d'água dos "fofoqueiros"
O símbolo de igual é o dicionário, é o "ou seja" em linhas paralelas
O parêntese é o abraço das palavras (e só abraçamos o que mais importa)
A vírgula é a bombinha de ar, não só para asmáticos
O asterisco é a palavra que insiste em aparecer mas não tem poder de ênfase, nem pretinho básico
E o ponto, o ponto é o mais importante... O ponto é o finalizar da palavra e o recomeçar da vida
O ponto é sair da zona de conforto, é ter mais um ideia, o  ponto é, injustamente, batizado de final.






segunda-feira, 19 de março de 2012

Pós vérbio


Já dizia alguém, não do meu tempo:
"Ou fure a bexiga ou deixe-a voar em paz para o limbo."

sexta-feira, 9 de março de 2012

O amor foi comprar cigarro


O amor me deixou a noção do tempo
O amor me deixou filmes
O amor me deixou a dúvida
O amor me deixou marcas efêmeras
O amor me deixou o supérfluo
O amor me deixou livros já lidos
O amor me deixou livros rasgados
O amor me deixou vícios na memória
O amor me deixou o olhar para a lua
O amor me deixou com as palavras confusas
O amor me deixou o nervoso sistema
O amor me deixou o medo do sol
O amor me deixou uma porta sem trinco
O amor me deixou o remetente em branco
O amor me deixou em silêncio por dias
O amor me deixou uma carta sem resposta
O amor me deixou dúzias de carinhos interrompidos
O amor, bem alimentado, me deixou a casa arrumada e saiu sem deixar a chave.


ps: Com licença, João Cabral de Melo Neto.

terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Copo de lua


Um copo
Vem alguém e enche
Lua cheia.
Alguns goles dados
De cima pra baixo ou de baixo pra cima
Lua minguante, Lua crescente.
Vem alguém e derrama o copo
Copo vazio, Lua nova.
E sem ninguém precisar chorar
Pela Lua ou pelo leite
O copo é cheio novamente.

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Seis



Meu bem...
Meu bem tem cheiro de fruta recém acordada
Meu bem tem cheiro de morango, de manhã e à tarde
Meu bem tem cheiro de menta quando encosta o queixo no meu ombro para dormir
Meu bem tem cheiro e gosto doce
Meu bem tem cheiro de sol fresco, de chuva de madrugada
Meu bem, ah, meu bem...
Me beija com boca de hortelã  como o bem de Chico...
Meu caro... Meu bem tem cheiro de morango, de menta e de conchinha.



quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

Nicolah e o palhaço gaguejado



(...) 
E Nicolah assustado, pressionando a bolsa contra o peito, apressou os passos...
Tinha mania de contá-los, sempre, da escola até a casa - Ao todo? Nunca se sabe, nunca se soube, mas se sabia que Nicolah anotava tudo em seu caderninho com capa de couro azul, quase preto, ou preto, quase azul, era outro mistério da discrição do menino.
Era sexta-feira. Mês de fevereiro. Fim de tarde, e Nicolah, quase correndo, invade a sala. Invade a cozinha e, sem lavar as mãos, fala com a mãe - em um misto de respiração, gagueira e a inquietação:


- Mãe, mãe, mããe! Ali na... na... na esquina, um paa...palhaço
- O que tem o palhaço, meu filho? Respira e fala direito, menino, lava essas mãos!
- Um não, um monte, um bocado, de... palhaa... palhaço, tudo junto, tudoo...
(Sentou, pegou um cadeira, não se aguentava em pé)
- Fala logo, menino! E lava essa mão, sabe lá o que pegou no meio da rua!
- Eles tavam chorando, mãe, chorando, todos - recuperou o fôlego e não gaguejou mais - E sabe que mais?
- Sim... (Guardando os pratos do almoço recém lavados)
- Pela conversa disseram que a culpada era uma mulher, uma mulher, mãe! Uma tal de Col.. Colom... Colombina!
(A mãe sorriu, guardou o último garfo no armário e puxando o menino para lavar as mãos disse)
- Quando terminar de lavar as mãos toma um banho, que o Pierrot perdeu a Colombina para o Arlequim porque o Arlequim lavava as mãos quando chegava da rua! E é carnaval, meu amor e, não esquece da toalha!


segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

A grama do vizinho, nem sempre, é mais verde que a sua


Sabe aqueles ditados que passamos a vida ouvindo e, o pior, repetindo a cada situação que requer o automatismo da reprodução?! Pois bem... Em um momento, contrário a esse, questionei-me acerca de um desses ditados infames, o do vez foi, parafraseando,"a grama do vizinho é sempre mais verde que a nossa". Bem, acredito eu que seria extremamente cabível a réplica deste! Prometo que serei breve em minhas elucubrações! 

E quando vemos que a grama do vizinho não é tão verde assim? Que está seca? Esburacada? Sem trato algum? Momento em que achamos que temos quase que um jardim do Éden em nossas residências. Sim, a partir desse momento, a praga que afetou a grama do vizinho jamais afetará a nossa grama, afinal, o "problema" de outrem não nos diz respeito e de forma alguma nos afetará, são 'problemas' exclusivos, nossa grama é perfeita! 

A epopeia, novela mexicana, dramalhão japonês inicia quando percebemos que a praga que afetou a grama do vizinho também afetou a nossa. O sinais começam a aparecer, e os ignoramos! Um buraco aqui, um buraco lá... E a grama vai ficando mais seca, mas não admitimos que, de forma alguma, nossa grama tem problemas, que devemos agir da mesma forma, ou melhor, que agimos ao ajudar o vizinho a recuperar sua grama! Porque ajudamos, lemos sobre o "problema", damos números de telefones de jardineiros, de pessoas que trabalham com planta. Compreendemos o que aflige o vizinho, a grama do seu jardim, claro. 

Mas como estava dizendo, quando nossa grama seca é um Deus nos acuda. Não, é inadmissível  que isso aconteça em nossa própria casa. Como assim? Cuidamos tão bem de nossas plantas, do melhor adubo a evitar que estranhos pisassem em nossa grama. Demos do bom e do melhor! Não, alguém deve ter jogado uma erva daninha, só pode! E quando enfim aceitamos que a nossa grama também pode secar, ser devorada por formigas que surgem do nada, é bom que saibamos recuperar o que cultivamos, é bom que saibamos cuidar mais ainda do que já cuidávamos antes, agora com mais carinho, mais atenção, porque não  é que a grama do vizinho seja mais verde que a sua, é que a sua grama e a do vizinho, apesar de estarem em casas diferentes, continuam grama, independente do cuidado que sem tem com ela, continua grama. 

ps: eu prometo cuidar.

quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

terça-feira, 24 de janeiro de 2012

Vinho branco


Fecha os olhos...
Tudo branco.
Cheiro de tinta... Tinta branca,
O quarto foi trancado!
Motivo: excesso de pessoas em uma só.
E nem o cheiro, insistente, da tinta conseguia matar,
Conseguia ofender os sentidos de quem 
Jamais devera ter estado naquele quarto,
Agora branco.

E alguém que sempre batia na porta,
 balançando as chaves e dizendo:
Meu bem, você precisa de mais tempo,
perdão, de mais tinta?!

sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

Caixa de Noé


Para ler ao som de  Ana Cañas 

Meu estandarte caiu
Foi gente correndo para tudo quanto é lado
E alguém que gritava:
"Primeiro, a poesia e o samba, depois crianças e mulheres"
E no meio de tudo,
depois que colocaram tudo dentro da caixinha de fósforo...
Alguém gritou:
"Abre, abre, que faltou o amor!"
Então o silêncio abriu a boca, calaram-se todos, até o samba
Só para o amor falar, mas ele não falou
Entretanto, alguém falou baixinho:
"Tá no bolso, tá no bolso, ele é pequenininho...
 suficiente para caber no bolso do meu peito!"