terça-feira, 27 de novembro de 2012

Desde que Luísa nasceu

Desde que Luísa nasceu ninguém come direito,
ninguém dorme direito, ninguém descansa,
mas se ama direito.
Desde que Luísa nasceu, evita-se falar palavrões,
fala-se baixo, ouve-se melhor, ficamos com mais medo de morrer.
Desde que Luísa nasceu, ninguém vê Tv direito,
ninguém toca violão direito,
mas ninguém mais chora.
Desde que Luísa nasceu, tem-se mais paciência,
tem-se mais atenção, tem-se mais carinho.
Dese que Luísa nasceu, não se arruma casa direito,
não se vê mais chão sem brinquedos,
mas se rir mais.
Desde que Luísa nasceu, esconde-se as cantas,
esconde-se os objetos que cortam, 
e nos mostramos mais felizes.
Desde que Luísa nasceu somos mais humanos e, para ela, sem defeitos.

sábado, 24 de novembro de 2012

Velha


Espaço, espaço... Pronto, agora...
Então, não sei nem por onde começar, moço. É que a alma anda fatigada, sabe? Não? Ela é velha demais para o meu corpo, eles vivem em conflito. O corpo e alma. Fazem questão de serem emancipados, inimigos. O corpo nunca acompanha a alma, muito menos o coração. Esses dois últimos são antigos, cheios de poeira, das músicas aos poemas que os dão prazer. Queria que o senhor me desse uma solução, como viver num mundo tão novo com uma alma e um coração tão velho? Não corro com a evolução, estanco, só corro para alcançar o coração que me foge como um louco e ainda leva a alma, e o clichê da calma só para fazer rimar com alma. Minha'lma quer uma carta, um bilhete, uma conversa sem hora e sem cair a rede... Aliás, rede só se for para dormir. Mas me diga, seu moço, o que se faz com um coração e uma alma ainda mornos em um mundo tão frio? Tenho que enviar por e-mail? Então desisto, é melhor tomar um café.

sexta-feira, 16 de novembro de 2012

Porta retrato de olho

Para ler ouvindo Nelson Gonçalves


Minha segunda palavra sem dentes
Dono da minha primeira montanha
Meu primeiro porta retrato de olho,
que até hoje não sei a cor,
Cor que não herdei...
Herdei o livro e a fala,
O jeito e os dedos do pé,
A curva do rosto,
e o amor contido.

segunda-feira, 5 de novembro de 2012

Semente


Crua...
Crua a poesia,
a língua.
O verso mal passado,
o verso imanente,
amassado.
Crua a ideia,
a língua privada,
crua a folha manchada,
o mofo.
Crua a palavra,
sem gosto,
eu fônica,
eufórica,
crua!
Cru o amor,
mas não em raiz,
em semente
para fazer café,
exibir a fumaça,
te tirar o sono,
deixar o gosto boca,
também crua,
e a língua crua
de beber o amor ainda quente
pelo cheiro, pelo tato,
sem deixar que esfrie,
sem deixar que cozinhe,
pois o amor só (se) serve cru.