sábado, 25 de junho de 2011

Fechando e abrindo a geladeira a noite inteira...


Sei que não é comum abrirmos exceções nos temas publicados pela revista, mas chegou à redação uma carta bastante interessante, som, não estou falando errado, foi uma carta, a pessoa que não quis identificar-se alegou que e-mail é uma forma de comunicação muito frívola, dado que você já não ver o rosto da pessoa, sentir o papel, ver a letra e às vezes ainda sobra um cheiro no papel, foi preferível a carta. Pois bem, o tema sugerido pelos nossos leitores foi "Formas de armazenamento" e eis que me vem o seguinte discurso sobre essas formas de armazenamento:

"Essa coisa de ter lugar para tudo, de dar tamanho a tudo, de atribuir valor a tudo costuma nos deixar com esse pragmatismo amoroso. O amor de hoje é sempre maior que o da semana passada, é mais maduro que o do telefonema passado, e mesmo que acabe no próximo dia 4 vai ser grande, maior que o que durou o dobro de tempo.

Desculpe os devaneios de minha parte, mas acredito eu, que não estou fugindo do tema, não é o amor uma forma de armazenamento de sentimento? Que pode ser grande como for sempre tem lugar, e quando pode ser armazenado em duas pessoas dispostas a recolher em meio a tanto vai e vem sempre vai ter um compartimento, às vezes secreto, para guardar o bendito do amor.

Aqui em casa o método é mais ou menos o seguinte, eu andava bastante na geladeira, sabe, mas dei uma geral nela, consegui tirar tudo, menos o gelo que se uniu a mim de uma forma que nem o calor infernal de Domingo o faz derreter. Mas além do gelo, na verdade atrás do gelo, tem uns amores mal dormidos, uns beijos roubados que até hoje me causam uns deja vus, e um coração que mais parece uma gelatina e finge ser de gelo mas é mais fácil ele ser é de vidro, cerâmica, porcelana, alguma dessas coisas. Só que de uns tempos pra cá ele tá mais com cara de tiro ao alvo, olhando pelo lado negativo da expressão.

No quarto é onde eu guardo grande parte das coisas que uso e deixo de usar com o passar do tempo. Na estante algumas gavetas já caíram de tanta lembrança trancada em um mesmo lugar. Confesso que já tentei dar um jeito diversas vezes, mas sempre acaba ultrapassando o limite de coisas para serem lembradas. Na porta do guarda-roupa costumo colar fotos, não só no guarda-roupa, mas também no espelho, a diferença é que são duas formas de armazenamento diferentes, e estão diretamente ligadas a validade do produto, ou seja, a memória. As da porta do guarda-roupa são pessoas na qual eu já tive contato, pessoas por quem eu cultivo algum tipo de afeto, as do espelho é pr'eu lembrar que existe gente bonita em meu quarto às 6 da manhã, por que eu certamente não estarei em um estado legal.

Por fim, e sim o mais importante, é o lugar de armazenar minhas lembranças recentes, não o que eu comi no almoço, mas o que me aconteceu mês passado, semana passada, ontem à noite. Porém, é a parte mais empoeirada do quarto, fica entre os livros de auto-ajuda e Paulo Coelho que ganho das minhas tias e nunca leio, e os livros de matérias exatas que era obrigada a carregar na época do colégio mas nunca usava. São fatos guardados que como ainda dói um bocadinho eu eu os deixo quietinhos, esperando que eles amadureçam um dia, não só eles, as pessoas envolvidas neste desgaste amoroso também, inclusive eu. Semana passada achei uma caneca com um resto de pó de café e um prato com aquele pó que cai do pão quando você tá comendo e te suja todo, pois bem, e balbuciei algo como "É...As coisas andam assim, tudo virando pó nesse vai e vem de café dormido e pão requentado", nem liguei que inverti a ordem, afinal, não anda nada em ordem, aliás quem ordena? Não ordeno nem o lugar certo das coisas que guardo, os sentimentos que não guardo e deixo a porta aberta sem querer, dai me vem um estranho e rouba sem dar nada em troca, já viu isso? Então, ordem pouco importa, a chave anda perdia por ai e sabe de uma coisa, nem sei se quero mais encontrar...

Então ficamos assim, tudo desorganizado dentro da minha organização sentimental, sei que tem sentimento demais pra pouco espaço, mas pra armazenar amor sempre se dá um jeitinho, um carinho, um cafuné, uma carta, uma taça de vinho, dois dedos de conversa, e assim vai, parecendo lista de comprar do começo do mês, mas é só o kit de sobrevivência para quem está disposto a se deixar ser humano e cultivar bons sentimentos.

Ah, já ia me esquecendo...Dizem que não é bom armazenar os ovos no lugar dos ovos, que vem na geladeira, então né, não fugi do tema."



sábado, 11 de junho de 2011

Narcisismo barato



11 de Junho

Você não está vendo?

Essa menina anda aos pulos

Aos saltos, dispensando os saltos e os quebra-molas

Andam dizendo por ai que ela distribui bons sentimentos

Mas não me disseram onde, só que distribuía

Como você não vê?

Ela amarra os sonhos com cordas de violão

Para que soem mais harmônicos

Tenta manter os pés bem longe do chão

Por achar a lua bem mais atraente

Guarda tudo numa caixa de sapato colorida

Porque diz ela que a saudade é uma caixa de lápis de cor de 24 horas

Escreve em toalhas de papel e guardanapos

Pois as letras manchadas constroem o mistério que tanto diziam que ela possuía

Desenha bailarinas sem olhos, boca ou nariz

Porque acha necessário apenas sua dança e o coração

Não toma café puro, nem leite puro

Por entender que a pureza é algo inexistente, então os mistura e sorri satisfeita

Desenha nos pés linhas imaginária
Porque afirma que tudo começa pelos pés, principalmente a história que você escreve

Acreditava em sinais mesmo sem saber o que eles diziam

Porque acreditava que precisava acreditar em alguma coisa quando não queria acreditar em nada

Voltava para a cama quando tocava o piso com o pé esquerdo

Pois achava a palavra ‘direito’ mais atraente que a palavra ‘esquerdo’

Gostava de ficar parada olhando para uma torre antiga sem relógio

Porque queria só uma desculpa para olhar pra cima sem levar nome de maluca

Preferia cair de cabeça

Pois dizia que aquelas molas na cabeça lhe serviriam para algo além de ganhar carinhos sendo enroladas

Comprava coisas de estranhos mesmo não tendo utilidade

Porque dizia que a utilidade estava na sensação de bem estar

Ela enrola um novelo de lã invisível

Pois argumenta que uma ponta ta amarrada na cabeça e a outra nas mãos do destino

Acredita na história de que a mão é proporcional ao tamanho do coração

Porque diz que é melhor guardar um coração na mão a deixar jogado no bolso

Fingia em seu quarto que era alguém conhecido

Quando na verdade adorava aquela sensação de invisibilidade perante os outros

Gostava da sensação que tinha quando a lágrima rolava pelo rosto

Pois pensava: Afinal, alguém ta se divertindo aqui, escorregar é divertido!

Tinha um enorme fascínio pela sonoridade de certas palavras e expressão

Porque achava agradável, os lábios repetindo o que o pensamento sugeria

Gostava de ir ao cinema, mesmo que fosse sozinha

Porque achava normal, anormal seria ficar em casa sozinha da mesma forma

Dizia não fazer diferença qual fase a lua estava

Porque de qualquer forma ainda seria a lua,

e porque não sabia diferenciar, isso é verdade

Ela acreditava, simplesmente acreditava

Nos astros, na chuva no final da tarde, no chocolate preto

Nas flores pequenas, em dormir depois das três da manhã

Sentia medo de quem falava em terceira pessoa

Achava que o morango por ser tão charmoso merecia ser mais doce

E dentro daquela caixa na qual guardava tudo, dizia ainda faltar algo

Dizia que ‘tudo’ era uma palavra muito atrevida

Porque acreditava que tudo, tudo mesmo só se tivesse amor na caixa.