segunda-feira, 30 de setembro de 2013

Nicolah e o gosto do amor

Domingo à tarde, ele andava mais ansioso que o normal. Pulando pela casa, olhava o relógio e o calendário, o calendário e o relógio.
-Mãe, quanto tempo falta pra eu ir pra escola?
- Umas 18 horas, por que?
- Hum, sabe a menina da minha alergia... A que a senhora ensinou a soletrar o amor...?
- Sim, lembro, cê deixou ela te desenhar?
- Ainda não, mas, mãe... se ela é o meu A EME OH ERRE...
- Sim... (rindo-se)
- E sabe quando o shampoo bate na boca, sem querer...?
- O que tem a ver com a menina, o amor? Que confusão...
- É que eu sinto o gosto do perfume dela, sabe, aí eu fiquei em dúvida, é o gosto to amor? Faltam 17h, mãe.

domingo, 29 de setembro de 2013

Teófilo

Teófilo tinha 89 anos e dizia a Bento, o neto mais novo:
Bentowisk, namoro tua vó há 68 anos, nunca quis casar,
a vida foi casando a gente, do jeito que deu, do jeito da vida...
A vida foi me tirando tudo, os cabelos, a agilidade, alguns amigos,
a ansiedade...
Inúmeras foram as coisas, inclusive a boa memória em lembrar das perdas,
mas esse frio na barriga toda vez que vejo tua vó, quando menos espero, quando
acordo e ela tá lá, dormindo, resmungando, isso a vida não tem coragem de me tirar,
o frio na barriga é que nos esquenta por todos esses anos, mas o que tu queria me perguntar, mesmo, Bento?

segunda-feira, 23 de setembro de 2013

Nicolah e a melhor coisa da vida

Zéu, depois de horas jogando videogame, correndo, com o sorriso de costeleta à costeleta, para em frente a Nicolah, e com a maior satisfação do mundo, pergunta (quase que afirmando):
- Ai, ai, Nico, tem coisa melhor, na vida, que jogar videogame?
- Tem, cheiro de laranja cravo sendo descascada.

quarta-feira, 11 de setembro de 2013

Memória de um mergulho

11 da manhã, morria mais um amante. Ou quase...
Jogou-se de peito na vida, o excesso de peso o imergiu,
Mas não morreu, coitado.
Foi salvo pela leveza de um amor,
E continuou amando e pensando em objetos pontiagudos.

terça-feira, 10 de setembro de 2013

Nicolah e o perfume

Nicolah sempre foi muito estudioso, calado, fora de casa. Certa vez só descobriram que ele estava com febre na escola porque esbarrou, sem querer, na professora e ela sentiu a pele do menino ardendo. Sentava sempre na segunda cadeira da sala, problemas precoces de vista. Mas em plena quinta-feira, o celular de sua mãe toca, ele queria voltar para casa mais cedo. Ele disse que não se sentia bem, disse a professora. Mas com quê? Ele não quis dizer. Chegando em casa, no seu ritual de tirar os sapatos e fazer xixi, disse a mãe que estava com dor de barriga, fazia uns dias. Que ia ao banheiro e não saía nada. Que andava com uma falta de ar estranha, principalmente na escola, em casa não sentia nada. Que a mão suava, mas que sabia que não tinha distonia. Que tinha procurado no Google, mas não tinha achado nada a respeito.

- Acho que é alergia, mãe, só pode ser, acho que é alergia ao perfume da menina que senta na minha frente, essas coisas todas só acontecem quando ela chega, ela e aquele caderno irritantemente laranja!

- Mas como assim, Nico? O perfume dela é forte? Cê não tem alergia a nada, que eu saiba...
- Sei lá, não sei, mas eu sinto em todo canto, mas deve ser o cheiro que sai cabelo dela, sei lá... Ela fica jogando ele de um lado pro outro, acaba a aula toda despenteada, e ainda atrapalha minha visão. Mas o caderno é o que mais me irrita, hoje ela pediu para me desenhar e eu não deixei.
- Por que?

- Porque da última vez que ela desenhou meu cabelo ficou estranho, eu parecia que tinha umas molas na cabeça, mas ela disse que tinha melhorado, que teve umas aulas e que eu era engraçado de desenhar. Eu ainda não tinha alergia ao perfume dela, mas hoje quando ela chegou pra me pedir me deu uma falta de ar, uma tremedeira, a mão começou a suar e me deu, de novo, essa dor de barriga que não sai nada.
- Hmm...
- E, e.. e.. e.. eu... (foi um gaguejo que não saiu nada com nada quando ele tentava explicar sua alergia direcionada) pensei que ia morrer!

- Nicolah, pega o computador pra gente pesquisar melhor...
- Já tô com ele...


- Então procura por isso aqui... A, EME, Ó, ERRE, tu vai ver que é uma alergia bem boa. 





domingo, 8 de setembro de 2013

domingo, 1 de setembro de 2013

Ilême

Cansou de falar de seus protagonistas femininos. Cansou de tentar juntar dinheiro e foi. Foi pro Ilême. Havia visto num filme, achou longe o bastante para... Achou o bastante! Na mochila suja, shampoo, condicionador, peças íntimas e os documentos necessários para ainda se sentir gente. Disse a uma amiga que iria. Não obteve resposta a tempo (por isso a escolha). Ainda que se precavendo de uma futura indagação acerca dos motivos "preciso parar de cansar tão rápido". De tudo. "minh'alma precisa de vida, cê sabe". Nos seus registros, enquanto viajava, não se via saudade. O ideal romântico morreu de sede. Mandou apenas uma carta. Escrita à mão, para os pais confessando o que já sabiam. Recuperou alguns gramas d'alma. A primeira pessoa que conheceu, falou de um rio, lago, algo que envolvia água. Água e coração. Disse-lhe que esse rio abastecia uma vila e que reconhecia a temperatura dos corações. Cada um com seu gole de vida. Cada um afogando ou aguando sentimentos. "água fria para corações quentinhos, água quente para derreter coração pedra de mármore". No roteiro, o lago seria a suposição de volta ou decisão de ida. Perdeu cerca de 6 quilos. Deixou o cabelo crescer. Criou um jardim. Cada plantinha que nascia batizava com um nome amigo. Mas nunca cultivou o acordar cedo, colocou isso na carta aos pais, sabia que eles ririam. No 321º dia deu o primeiro beijo com alma. Ali estavam os quatro, duas criatura e suas respectivas almas, beijando-se, acrescentando-se, colocando mais vida no que andava morno. 364º dia, vestiu-se de calça de tecido fino e camiseta branca de botão. Mochila no ombro direito, vinte minutos até o lago. Tomou dois goles d'água. Molhou a cabeça e sorriu, sorriu de fazer barulho para estranho ouvir. Descansou e percebeu que seu Ilême era sua cabeça. Que o que faltava à alma era água. Descansou e se deixou seguir.