domingo, 27 de maio de 2012

Telegrama em prosa


Tá faltando pernas, coxas,
Braços, lençol roubado,
Briga por espaço, ser só um,
Dois em um, para tanger o frio...
Oi? Alô? Tá faltando pele,
Tá sobrando pano,
Troquei a roupa de cama hoje,
Na verdade foi ontem, tá tudo cheiroso,
Só quem deitou fui eu.
Tá faltando outro cheiro,
Outras mãos, pés quentinhos,
Pro meu colchão sossegar de saudade,
E de domingos.

domingo, 20 de maio de 2012

Menino


A fábrica engasga os primeiros apitos
O vendedor de munguzá anuncia, 5:45 da manhã
E lá vai o desfile de pernas descendo a ladeira
Pretas, pardas, brancas e roxas
E lá vai o menino pendurado nos seios da mãe,
banhado em flor de laranjeira
Bola, pipa, arranhado na canela
Cheiro de alfazema, manga roubada, vizinhos na janela
Deu quatro da tarde!
- Hora de tomar banho, Menino!
Mulheres mal dizendo à beira da calçada...
"A filha do padeiro tá grávida!", "Eu sabia!"
E na casa ao lado ouviam-se gritos...
- Mãe, esqueci a toalha!
- Tira a toalha de cima da cama, ô Menino!
Sete, oito, oito e meia...
Hora de guardar a corda, a bicicleta, a bola remendada
Boa noite...
- Vai tomar banho, Menino!
- Posso só lavar o pé?

quinta-feira, 10 de maio de 2012

Sexta-feira


Alguns passos ligeiros para fugir da chuva,
Alguns muitos pingos na roupa, cabelo e rosto,
Fui, mas pausei e voltei...
Em uma dessa situações que alguém em algum lugar diz:
"Para e presta atenção!"
Quase ignorei e parei, não disse, mas pensei...
Puta!
"Puta com criança nas ancas!",
Língua, coração e mente sujas...
E não sai da cabeça, não a puta,
A criança! Fitei-a duas vezes,
Não sorriu, pois não havia dentes,
Mal se sustentava no próprio pescoço!
Mão, peito e coração apertados...
Olhei para baixo e peguei meu trem
E colaborei para o descaso que se (des)encontra a vida!

quinta-feira, 3 de maio de 2012

Mala e cuia



Juro que não abri a porta
Ou qualquer filete de luz que desse na minha casa!
Quando olhei para a sala
Tava lá...
Mala, amor e cuia!
Pintou tudo de branco
Foi logo arrumando a bagunça,
O caos que havia sido deixado
Meses e meses sem arrumar uma gaveta
Sem tirar um grão de pó qualquer de cima dos livros
Hesitei, assumo, desarrumei várias vezes
Resistência (in) consciente já (des)esperada!
Então cedi, cedi pelo cansaço,
Ajudei a arrumar o quarto,
Troquei o lençol, a música de fundo e o cheiro dos (in)cômodos
Não abri nem fechei a porta, deixei como estava
E antes que eu pudesse dormir,
Achou a chave que eu havia perdido há meses atrás
Apagou as luzes, e deu a pele o que a pele precisava...
Outra pele, outro amor...
De mala, carinho e cuia.