“Tem
gente”, foi o que ela me disse na primeira vez que falou comigo, eu
nem entendi direito, disse algo entre tá certo ou tudo bem, fiquei
olhando o reflexo que a tela do cinema dava no olho dela, olho preto,
quando a gente diz quando criança e a ainda não sabe que não
existe olho preto. Sentei na cadeira de trás, lugar péssimo, filme
péssimo e ela tava acompanhada, um ano depois descobri que ela tava
há quase três anos acompanhada. Depois daquela primeira vez, quase
todo dia alguém falava que tinha ido tomar uma, que tinha ido ver um
filme, que tinha ido deixar ela no aeroporto, mas eu não sabia que
se tratava dela. “Prazer, Lígia”, foi nossa segunda vez, acho
que disse meu nome ou disse é, tá certo ou tá bem... Agi
normalmente, ou pensei ter agido novamente, “teu olho é mesmo
preto”, ela riu, como se soubesse do que eu tava falando ou riu de
mim, sempre acho que foi o segundo caso, pensei em fazer algum
comentário além desse e “tá a fim”, Lígia, agora sei o nome,
Lígia me ofereceu uma bebida meio cara que tinha trazido não sei de
onde, quando viajou pra fazer não sei o que, foi que parei de
reparar no olho preto e passei a mirar na boca fina, não achei
bonita, achei tanta coisa, até que o cabelo cortado tava preso, não
tive vontade de beijá-la. Desde o “prazer, Lígia”, a música de
Tom passou a ter cara, olho, quadril e cheiro, saio sempre dançando
com o copos de plástico com vinho por dentro do apartamento... Por
falar nisso, preciso providenciar taças! Comentei com uns amigos que
tinha conhecido a tal da garota que vivia pra cima e pra baixo com
eles e eu nunca havia falado, “mas tu falou sim”, neguei, briguei
e deduzi que havia falado com Lígia em estado de embriaguez, “ela
te pagou o táxi pra casa, só que tu deu o nome errado pra ela”,
eu ri e tive vergonha, tenho que parar com essa mania de dar meu nome
errado quando bebo. Voltei pra casa, tinha um trabalho pra terminar
que acabei nem fazendo e me deitei, fiquei pensando no tanto de coisa
que andava protelando e no meio delas me veio Lígia, adoro falar
esse nome, cantarolo no desafinar de Chico “Lígia... Lígia...”,
mas não tava pensando em nada lírico, não. Como será Lígia na
cama? Lígia tem cara de quem oscila de humor quando transa. Lígia
não deve fazer muito barulho na hora do sexo, acabei sonhando com
Lígia, transando, claro. “Sonhei contigo ontem”, “foi? Me
conta, quase nunca sonham comigo”, “foi nada demais”, “hm,
espero que tenha sido bom” e não disse mais nada, tive que descer
do ônibus, tinha duas aulas pra dar nesse dia, dei um cheiro, ela me
deu um beijo. Não preciso dizer que dei uma aula como se tivesse
ingerido algo, fumado, bebido, ingerido um remédio que me deram e
quase morri, bote Capitu e Luiza na roda e passei trabalho pra casa,
“vamos falar de traição”. “Ei, queres algo?”, pensei no
sonho, no sexo, no beijo e fiquei na água mesmo “antibiótico,
sabe como é”. Lígia bebia de tudo, mas adorava absinto e vinho,
achava um charme ela bebendo vinho, acha um charme ela virando lapada
de cana, achava um chame ela pegando na latinha de skol, eu achava
Lígia um charme e descobri que Lígia também me achava um charme e,
como 90% das pessoas que eu conheço, achava que eu não gostava
dela. Numa festa dessa, como diz uma amiga minha, que colocam pen
drive pra tocar e a gente paga caro e é boa pra caralho, no canto,
perto dos banheiros, achei Lígia fumando um e acenando de longe, me
aproximei e ela me beijou a valer, ajudei a fumar e também beijei-a,
até o fim da festa. “desculpa a aquele dia do táxi”, “eita,
tu lembrou”, “não, mas me disseram” e rimos da situação,
Lígia disse que no dia do táxi também nos beijamos a noite inteira
e eu bati com a cabeça em um ferro, me mandou mensagem, mas eu
ignorei, “eu nunca dou meu número”, disse que falei que os olhos
dela eram pretos e que foi por isso que riu quando disse outro dia
que seus olhos eram pretos mesmo. Sonhei transando com Lígia algumas
vezes, confesso que acordava com vontade de ligar pra ela e chamá-la
pra vir até meu apartamento, mas ficava só na excitação. “Tenho
problemas com pessoas de gêmeos”, preferi não responder, não me
defender e comecei a perder as palavras na frente de Lígia. Um dia
desses fomos jantar na casa de uns amigos, despedida de Domênico que
ia passar 2 anos estudando fora, ficamos todos bêbados e lost, como
de costume e jogaram eu e Lígia no mesmo quarto. Tentei beijar Lígia
e ela recuou, não insisti, naquele dia Lígia dormiu com as mãos
segurando minha nuca e a testa no meu queixo, vez ou outra me
apertava, não consegui dormir com a mão daquela mulher da minha
nuca, o cheiro do cabelo debaixo do meu nariz e o quadril batendo no
meu, “filha da puta”. “cê comeu?”, foi o bom dia de
Domênico, “bom dia”, foi meu bom dia e fui pra casa, “filha da
puta”. Domênico viajou e Lígia não quis mais me beijar. Uma vez,
a convenci que eu deveria beijá-la e ela que me chamou de
“fidaputa”, beijei Lígia e depois Lígia beijou outra pessoa.
Lígia beijou várias pessoas no decorrer dos meses e eu me apaixonei
por Lígia. A voz de Chico entalando no “Lígia... Lígia...”
virou tortura. Inventei de ler Dosteiévski e uma personagem sem amor
a vida me mandou me declarar pra Lígia. Me declarei. Lígia não
quis mais me beijar de vez. Paguei um táxi pra Lígia. Dei dois
livros pra Lígia. Passei vergonha na frente de Lígia. Uma, duas,
oitenta e sete vezes. Passei a amar Lígia. Lígia continuou sem
querer me beijar. Chamei Lígia de filha da puta, na frente dela,
Lígia compreendeu meu estado, o que me irritou mais ainda. Meus
amigos passaram a odiar Lígia. Proibi minha mãe, meus amigos, o
moço da padaria, seu Antônio do bar a ouvirem ou tocarem “Lígia”.
Chamei Dostoiévski e a porra da personagem dele de dois filhos da
puta. Provei absinto e não gostei. Ainda acho que Lígia é uma
filha da puta. Ainda sonho transando com ela e a mão prendendo minha
nuca. Vez ou outra lembro que amo Lígia. Vez ou outra tento me
contaminar pelo ódio dos meus amigos. Lígia... Lígia... Teu olho é
mesmo preto.
quarta-feira, 16 de julho de 2014
quarta-feira, 4 de junho de 2014
Silhueta
Queria,
Se pintar
ou desenhar soubesse
Botar em tinta ou lápis,
Teu corpo de pé.
Depois de termos
nos pertencido - novamente -
Depois da honra de te ter
à sombra da minha costela.
Se pintar
ou desenhar soubesse
Botar em tinta ou lápis,
Teu corpo de pé.
Depois de termos
nos pertencido - novamente -
Depois da honra de te ter
à sombra da minha costela.
quarta-feira, 7 de maio de 2014
quarta-feira, 30 de abril de 2014
quarta-feira, 2 de abril de 2014
terça-feira, 1 de abril de 2014
terça-feira, 25 de março de 2014
Existe amor em BH
Depois de um certo tempo, passa-se a ter menos reflexo, a lentidão pula pela janela e quando se é sedentário então, o mínimo que a vida te pede é mais sensibilidade. Sabe aquela placa de linha de trem, da infância? "Pare. Olhe. Escute." Seria um ótimo slogan para o bem da humanidade. Mas então... Caí em BH de paraquedas, entrei de gaiata numa viagem de uma amiga que sempre teve a certeza de que a vida lá em como uma música do Clube da Esquina. E é. Eu, que me apaixono até por sombrar, quis casar com os muros, com as casas antigas, com as montanhas, com o moço da banca de revista, com a senhora que me acordou perguntando se eu não ia tomar café, com a comida, com o queijo, com a cachaça, ai, e viveria eternamente casada com o céu (e com o pão de queijo). E numa dessas paixonites, no meu "pare, olhe, escute", percebi uma constante, as pessoas estão engajadas em trazer/devolver o amor do outro. Diversas são as formas, com garantias, sem intenção comercial (algumas), muitas só aceitam dinheiro depois do amor concretizado, uma cidade inteira em prol do amor. Em uma sociedade egoísta e centralizadora, fria como ferro do metrô, cartomantes, mães e pais de santo compactuando com a felicidade alheia. Talvez seja o céu, com as nuvens redondas que a gente desenha quando a aula de artes é "desenho livre", talvez seja só amor mesmo, regalo da vida, quem se importa, até a originalidade da minha tatuagem foi quebrada numa estação de trem e um sorriso pela coincidência. Só sei que se qualquer amor já é um pouquinho saúde, BH tá bem do coração, dos olhos e do pulmão. E se você for procurar, na rua Quimberlita, em Santa Tereza, tem um pedaço de coração, de olhos e pulmão, que já nem são meus, são do amor, do amor que compreendi melhor, do amor que consegui (re)ver no ser humano, do amor que já tinha e reafirmei... Sim, existe amor em BH, os postes, os muros, cartomantes e meu coração dizem.
Ah, obrigada, Bel.
sexta-feira, 3 de janeiro de 2014
Carta à carta
Hoje, 03 de Janeiro, quase dois meses da confissão de amor e tanta coisa, entregue e nunca lida, resolvi escrever novamente, não a você, à carta, talvez a mim.
Eu menti, quando disse que ela não deveria ser lida, a verdade é que ele merecia, bem mais que deveria, ser lida por qualquer ser que se movesse e sentisse amo, sim, amor, aquele que tá na carta e no par de olhos da cara. Isso tudo é pra tentar me convencer a parar de te escrever, todo dia, antes de dormir. Um conto, um cravo, um poema, um sonho... Pequeno, grande, chato, esquecido, tudo te colocando nas minhas palavras, te colocando na minha vida. Eu vou parar, mas pelo que me conheço não vai ser por causa disso ou porque eu quero, por conselho de alguém ou por falta de cuidado. Eu vou parar de te escrever por cansaço, no corpo, na alma e no espaço do corpo, da alma e da cama.
Sei que tu não leu, mas na outra carta, eu digo que quero tua vida na minha, redundante... Isso eu tenho há meses, a verdade é que eu tentei colocar minha vida na tua, duas vezes, com uma desistência e uma mudança de ciclo.
Eu ainda quero uma resposta, daqui a um, quatro, sete anos e meio. Um "eu li", "eu li e achei uma merda", "eu li, obrigada"... Eu iria fazer minha cara de nada e perguntar da tua vida ou se já tinha comido, porque meu estômago iria pedir comida pra tapar o amor. Eu iria rir, com a mesma cara de nada e dizer "por nada, foi de coração", típico. Iria querer te dar um presente e ir embora. Iria esquecer da carta e explicar o motivo do presente, iria gaguejar, suar, assanhar o cabelo e lembrar, enfim, da carta. O mais engraçado é que a única pessoa, ao meu redor, que não leu essa maldita carta, a porra dessa carta e não me ligou chorando, que não me abraçou, do nada e sem falar, depois de ler, que não disse que era linda, pesada, triste, que me chamou pra beber ou deu uma desculpa idiota para não se fazer e me fazer chorar, foi a quem eu escrevi. Mas acredita na minha promessa, vou continuar a escrever, vou te escrever de vez em vez até parar de vez, e ocupar todo corpo, toda alma e toda cama.
Amor,
Centopeia.
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