quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

De retalho em retalho...

Então ela criou coragem pra parar de pensar. E a única coisa na qual ela ainda se importava era preencher o questionário inútil nunca antes passado para o papel, e nem pretendia. Só pretendia num espaço curto de tempo que tinha, conhecer aquela criatura que aparecera de forma tão singela, tão sem importância que por causa disso causava mais curiosidade, acho que depositava uma carga de “desimportância importante”. Na sua cabeça tinha uma espécie de dupla coluna estranha com itens como: chocolate, carinho, chaveiro, filme, almofada, balão, noite, lâmpada, piada... Entre outros itens que sem nenhuma ligação, mesmo campo semântico, nadinha, nadinha. Mas ela sabia que aquela estranha lista não serviria para a finalidade desejada, e o que tinha de fazer era o que melhor sabia, observar, observar discretamente e mais nada, claro que se utilizava de informações extras, mas a maior parte dos prazeres recolhidos era obtido pela simples técnica de : abrir, piscar e deduzir dos olhos. No caminho de volta para casa, decidiu mudar de opinião e ir andando, ajudaria a colar os retalhos daquela colcha que parecia ser maior que o mundo. Então andou, andou, e foi costurando, um a um, algumas partes jogou fora, e eis que no auge do cansaço de tanto tentar achar o encaixe perfeito daquela colcha, teve a sensação de o retalho ter criado vida, sim, sim, o retalho! E ter lhe dito: 24 h você tem, é necessário apenas isso! Então a menina adormeceu, e quando acordou deu bom dia ao sol, pegou o telefone e tomou coragem para fazer a tal temida ligação, e foi tiro e queda, como já dizia minha mãe, a conversa desembarcou em um convite para um fim de semana na praia, pois ela sabia que era a última chance de saber se aquela colcha de retalho serviria. Convite feito, convite aceito. Na mala comida congelada, água e muita coca-cola, ah, e a colcha ia jogada no banco de trás do carro a observar a conversa dos dois que mais parecia um show de stand-up, era risada daqui, gargalhada de lá, e foi assim o caminho todo, um dois pra cá, dois pra lá danado, e nessa história de sorrisos abertos a colcha se satisfazia, criando independência e costurando-se sozinha, bingo, um item já fora preenchido. Enquanto tirava a bagagem da mala, ela olhou pelo vidro e viu o pedaço da colcha que na noite anterior havia lhe falado das 24h, dessa vez ele lhe falou: acredite, um fim de semana valerá por 365 dias. Então ela sorriu e retirou-se.
Enquanto as horas iam passando a observação antes feita parecia cada vez mais bem fundamentada, só que agora a menina começava a se questionar, “por que agora?”, pois sabia que a vida tinha lhe proporcionado um belo e inusitado presente, mas que este presente, infelizmente, só estava naquela residência de passagem. Sabia sim, que nada havia de errado com a sua vida, que era feliz, tinha amigos, uma bela família, mas que lhe faltava alguém pra conversar no final do dia, na madrugada, não sentia falta, pois nunca tivera, mas desde que experimentou não imaginava passar uma noite sequer sem desfilar bobagens ao telefone no caminhar da madrugada, mesmo que não lembrasse nada pela manhã, uma coisa era certa, ela tinha dado e provocado boas risadas.
E quando voltou para casa ela sabia que um fim de semana, saber as manias, os medos, o lado da cama que preferia dormir, a cor da escova de dente, nada significava perto daquelas primeiras 24h, daquele momento em que se sentaram lado a lado pela primeira vez, no dia em que se conheceram.
Agora a colcha de retalho é quase emancipada, dia após dia ela vai se costurando, cobrindo e esquentando a parte do mundo que tanto importa para aquela menina. E não pense que ela dispensou aquela lista sem pé nem cabeça, de vez em quando em algumas conversas ela fala sobre balões, chocolate, do chaveiro que custou cinco reais e um olhar estranho da vendedora, e tinha certeza do que o fazia sorrir, do que o fazia perder sono, do que o deixava sem palavras, do lugar que melhor agradava o carinho, e da última vez em que vasculhou a bagunça, o empoeirado dos pensamentos, achou bem atrás dos cílios, uma linha, seguiu curiosa para saber onde terminava, acredite, era o retalho que faltava no canto esquerdo da colcha, agora bordado, com a seguinte frase incompleta: Faz muito tempo que... Então ela pegou a agulha, tirou a independência do último retalho, e terminou de bordar a frase: Faz muito tempo que eu te queria!


- Baseado em Tudo sobre você, de Zélia Duncan.(http://letras.terra.com.br/zelia-duncan/1490085/)



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