terça-feira, 29 de março de 2011

E ponto!


Acho que o maior problema é deixar a porta entreaberta, sempre deixo, sabe? Deixo que as lembranças transitem livremente pelos meus cômodos, dizem que reprimir faz mal.


Economizo nas palavras, do “ponto final”, só aproveito o “ponto” e pronto, sempre imagino em um contexto positivo. Tudo que desenho insiro formas redondas, circulares, o que aguça ainda mais esta minha mania de correr em círculos, de viver em ciclos, de não conseguir sair deles, e principalmente porque as formas circulares não tem quinas pr’eu tropeçar, nem arestas pr’eu contar. E em linha reta tudo é esquina, curva, fatia de melancia, lua minguante, disco quebrado, sorriso vertical.


Acredito que as reticências não tornam algo inacabado, apenas dá ênfase ao que ainda estar para acontecer, é o maior estado de dúvida do ponto final, ele não sabe se aproveita o “final” ou sai por aí em trio para proteger-se do ponto e vírgula, que é mais indeciso ainda, e encharcado das palavras que o antecedem ele pinga três vezes, repetindo zangado: pronto, pronto, pronto...


A verdade, verdade mesmo é que minha própria face já tem forma de interrogação, por isso nem me esforço para usá-la, basta olhar, é perceptível a constante dúvida. Raramente meu rosto afila , fecha-se em seriedade e dá espaço à exclamação, mas quando se fecha, fica mais zangado que as reticências! Quando está muito quente nada mais aconselhável que proteger as próprias palavras, seja com um apóstrofo de ladinho para dar um requinte, um “til” para alargar a noção da palavra, transformá-la em palavrão, e o circunflexo entra para aumentar a cadência, malemolência, essência, amadurecência, paciência! E um viva ao cavalheirismo raro da crase, afinal, primeiro as damas! Para guardar melhor os sentimentos, escancaro a janela em forma de aspas e parênteses, jogo tudo para dentro e pronto, e nada de fechar aspas ou parênteses, você que se ilude em pensar que os sentimentos acabam num fechar de aspas, num trancar de parênteses.


No jardim aqui de casa, o que mais brota é vírgula, independente da estação, elas desabrocham aos montes, dividem o tempo, as bocas, as cores, os amores, pausam cuidadosamente a euforia, dá aconchego a calma. Mas quando chove demais e as vírgulas afogam-se nas lágrimas que as nuvens abandonam, quando alegria é tamanha que não permite pausas, vai sem vírgula mesmo o transbordar da felicidade, e no ouvido do amigo, que nem ousa abrir a boca, desfila milhões de palavras sem nexo para culminar em um longo suspiro e dizer: mas eu to tão feliz!


O estado de espírito às vezes anda cambaleando, envergado, em itálico. Às vezes com a necessidade de exteriorizar-se, vontade gritante, ou simplesmente quer aparecer, bem vestido de negrito básico e salto alto, todo em MAIÚSCULO! Os dois pontos é a fase adulta do ponto final, está pronto para pronunciar-se, cresceu, está o dobro da altura que era antes. E se queres falar, fala! Tira um travessão da cartola e faz com que o que sentes ganhe forma e voz, se não for o momento certo, extende a palavra, guarda o varal no bolso e ponto ou reticências, ou vírgula, ou dois pontos, acentua à vontade e pronto.

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