sexta-feira, 7 de outubro de 2011

17 graus celsius

(...)
Havia esquecido o rádio ligado, não sei bem se era rádio ou tava tocando cd... Algo tocava insistentemente, "É sexta-feira, amor!É sexta-feira, amor!"¹ ... Bocejou, passou a língua nos lábios, eles tinham marcas de sal, não, tinha gosto de sal, ela nem tinha jantado antes de dormir, mas apesar de todos os não indícios, os lábios eram duas pitadas de sal. Olhou pela janela, quase sem abrir os olhos e fechou as cortinas rapidamente. No rádio dava 34 graus, na caixa de costelas dava exatos 17 graus celsius. Então decidiu abrir os olhos ainda embaçados, bateu nos móveis, como de costume e entrou mais uma vez na "mecanicidade" diária. Passar roupa, escolher as meias, pegar a toalha e ligar o rádio para tomar banho, mas dessa vez tinha algo faltando, algo sobrando, até que ao abrir o chuveiro e sentir alguns meses da vida caindo gota por gota, não do chuveiro,dela mesma, a vantagem foi que ela descobriu o motivo do gosto de sal na boca. Quando saiu do banheiro foi questionada pelas gotas jogadas no rosto e deu a seguinte resposta: foi o chuveiro, deve ter algum problema com a água, ela tá salgada.

E de fato devia fazer não 34, mas uns 36 graus, mas seu inferno pessoal era tão mais frio, tão mais algoz que duas blusas só surtiam efeitos estéticos e para disfarçar as reclamações corporais vermelhas. No leite - com - café, duas colheres de açúcar e uns flashs do dia anterior, sabe quando você vai apagando aos poucos que sua vista se assemelha a uma câmera de flash esquizofrênico. Um gole. Acendia. Apagava. E isso seguiu pelo resto do dia, um acender e apagar de luzes na sua retina. Mudou o perfume para não sentir o próprio cheiro. Calou-se. Cansou-se. E no final de tudo... O sal virou amargo, a água amargava, o almoço, a coca-cola, a lágrima, a mão, os abraços e o vinho.

A única coisa que ela lembrou no final do dia, a música que tocava insistentemente pela manhã se chamava "Ponto cego" e que teria que aprender a conviver com o amargo da boca, sem bom dia e boa noite. Então cantarolou para si "Ah, dindi, se tu soubesses como machuca não amaria mais ninguém..."²

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