Eu sei, é um movimento unilateral
esse amor que eu te tenho. Mas é tão estranho, não o amor, mas esse sentimento
unilateral, que eu tive que vir aqui te dizer. Eu o aceitei de bom grado, não
ando cuidando, nem alimentando, ela tá aqui, sabe, e eu precisava te dizer. Eu
poderia esperar passar todas as tuas fases, se é que são fases, dar teu tempo.
Eu amo te ver livre, dá a impressão de que te dizer que te amo te prende um
pouco, e eu sou louca pela tua leveza, do cachinho da cabeça ao dedo do pé. O problema
foi que eu te dei tanta liberdade, desculpa, não fui eu quem deu nada a ti, mas
eu me mantive tão espectadora, como no início, ao te conhecer, que alguém te
elegeu para o amor. E eu vi vocês, aliás, eu te vi, só a ti e a mais ninguém.
Eu sei, eu poderia esperar, esperar que tu me dissesse que pode me amar, que já
pode me amar, ou dos males o menor, apaixonar-se por mim, como mulher, que pode
me ter amor e tesão ao mesmo tempo, que vai me odiar numa briga idiota, e
depois a gente vai fazer as pazes fazendo amor e tomando três cervejas, sempre
as três cervejas do primeiro encontro, número exato para não embriagar. Mas eu
não consigo, aliás, eu não posso esperar, esperei três meses, viu, o três,
cabalístico nessa unilateralidade amorosa. Eu preciso da tua vida na minha.
Preciso que nossos sentimentos conversem agora, mas sei que em ti não tem nada
além de carinho. Eu não posso esperar, nem vou, não pelo que tu diz e o que
dizem do meu signo, mas pelo meu amor, meu amor discorda do Coríntios, ele não
é paciente, ele tem necessidade de amar, de te amar! Um dia desses estava
pensando como seria acordar ao teu lado, te ver dormir eu já vi,
destrambelhada, sem charme algum, mas ainda assim teu rosto conservava uma
calma que acordada tu esconde. Eu preciso da tua mão esquentando a minha quando
eu for ao cinema e tiver vontade de dormir no meio do filme. Eu tenho distonia,
mas também faço por manha, pelo quentinho. Sabe, eu só consegui tocar outras
pessoas depois que eu coloquei na cabeça que não te queria mais, não dei certo,
claro, eu as beijava e os defeitos, meus e delas afloravam, elas não eram você
e aquela não era eu. Eu queria te mostrar meu lugar favorito de comer, o da
surpresa de uva que tu tanto gostou, acho que me apaixonei quando tu disse que
amava surpresa de uva, chamando-a de uvinha, tanto faz. Apostar corrida na
praia, no fim da tarde, detesto sol, nisso discordamos... E te ouvir xingar meu
signo, sei que tu acha um inferno e foi uma das coisas que me fez afastar um
pouco. Sei que sou ar de mais, como diz uma música que baixei há pouco tempo
“eu sou vendaval”, desde pequena, mas o que fazer, tu é mais livre que esse
vendaval que te fala besteiras, que te manda beijo sabendo que tu só vai
responder um dia depois. Meus amigos dizem que eu ando deixando pelas esquinas
e bares meu amor próprio, mas eu discordo, sabe, o problema é que tem amor
demais, já não sei de é próprio, alugado, só sei que eu preciso te dar,
conversar. Meu amor é ansioso, sente teu cheiro por onde anda, corre e lava as
mãos. Teu amor eu acho difícil de ter, é, meu amor é pessimista, mas te juro
que ele é a parte mais sã e sincera que a vida escolheu pra carregar em mim.
Mas eu não quero carregar sozinha, queria misturar com o teu, até a vida
reconhecer ele como um só. Sonhei que a gente cozinhava juntas, eu adoraria te
ver cozinhar, adoraria cozinhar, o pouco que sei, pra ti. Cê, viu? Quando menos
espero já to fazendo planos, eu evito, mas meu amor não deixa. Eu te evitei,
mas meu amor não deixa. Eu preciso que ele sossegue pr’eu poder sossegar de
amor.
Centopeia.
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