quinta-feira, 21 de abril de 2011

Baião de Um



Já era meia-noite e quatro, tinha que trabalhar no outro dia, estávamos ali. Dois. Dois dedos de cerveja e quatro goles de vinho ainda para tomar na garrafa. E como de costume, aleatoriamente me levantei, cambaleei e segurando na mesa de sinuca, resmunguei algo como...



* Vou ter de lhe abandonar
- Mas já? Logo agora que ia te chamar pra dançar!(E enfim, também se levantou e veio em minha direção)
*Terás de arrumar outro par, porque este está seguindo para casa pra tentar sonhar - Dirigi-me à máquina de música, escolhi um brega francês ou foi um jazz inglês, não lembro, e prossegui falando - Dei a partida, continue a dança com outro par, outras mãos, mas com a mesma música, que irei conversar com meu travesseiro.
- Fique! Não vá! Venha cá... Vamos dançar!
* (Dei os últimos quatro goles na garrafa de vinho e acabei cedendo) Solta a música, pega minha mão que eu não sei como se guia alguém que enxerga.
- É só se soltar, a melodia vai te levar.
* Vou tentar, fechar os olhos, mas se eu pisar no teu pé, meu bem, desconversa, sorri e releva. Fecha os olhos comigo, assim a gente nem sente que erra, nem sente que acerta, só sente a dança... Se é que dança.
- Com você meus pés se movem, se enrolam se perdem, mas logo se acham no compasso dessa dança...



Paramos de falar enquanto dançávamos.
Em cada passo que nós dávamos eu tentava não cair, tentava continuar em mim, mas aquela pessoa na qual me chamara para dançar quem era?
Eu não tinha consumido álcool o suficiente para não identificar quem era, mas os passos que aquele par dava eram estranhos, não era quem eu havia dividido garrafas de cerveja e vinho, só sabia quem era pelo cheiro que ainda me era nítido...
Deu uma e meia da manhã e a gente se tornando cada vez mais estranhos, cada vez mais aleatórios um ao outro, a impressão que dava é que a cada música que acabava uma pessoa diferente me tomava nos braços e me conduzia naquele bar...
Quando paramos de cometer aquele assassinato à dança? Quando os ‘pisões’ se tornaram mais incômodos, os calcanhares não aguentavam mais bater nas quinas das mesas do bar.
Tentei falar uma, duas, cinco vezes que eu me lembre, e cada vez mais a música ia aumentando, aumentando, meus pés enchiam-se de calos.
E então eu abri os olhos daquela loucura de tentar dançar com um par que a cada dança se tornava mais estranho a mim, cambaleei até o garçom que dormia por cima do balcão...


*Zé, me traz um vinho que começou a chover e meus pés doem...



Aquele par, que na verdade nunca fora meu, colocou para tocar outra música e por eu ter cedido tanto, tanto, mais tanto anteriormente, acomodou-se, não me chamou mais para dançar, esperava que eu me dispusesse a tirá-lo para dançar.
Tomei um gole de vinho e encerrei aquele número...


*Não quero mais dançar, meu bem, nesses teus passos, nessas tuas músicas, quem acabou dançando fui eu.


Então caminhei em direção a porta com minha garrafa de vinho, sem guarda-chuva, em direção a minha casa, tentar sonhar e conversar com meu travesseiro, desta vez, sem par. E sim, era um brega francês que dizia algo como “Je suis fatigué por lhe esperar, je suis fatigué por tentar lhe encontrar...”


Um comentário:

  1. Cachinhos!!!

    Que pelo talento para a prosa!
    Gostei da condução do texto, do próprio estilo de disposição e marcação das falas, do texto introspectivo e tals.
    Começar a vir mais vezes aqui!

    Xêrinho!

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